Introdução
O presente projeto propõe-se a discutir
a finalidade de políticas públicas na área de educação, buscando analisar seu
impacto na realidade social de seus participantes, tomando como referência
empírica o Projeto Guri, voltado para crianças e adolescentes, como parte da
política cultural do Estado de São Paulo. Sendo assim, os temas a serem
tratados, aqui, são a música como instrumento educativo e as políticas públicas
como ferramenta de intervenção na ordem social.
Por entender que esse projeto configura
uma reflexão sobre uma política pública, com objetivos e limites, é necessário
considerar os resultados especialmente naquilo que permanece após o término da
experiência do individuo, para então saber se houve uma mudança significativa
no pensamento, nas práticas e na realidade social de quem participou do
programa. Essa é a questão que norteia este projeto.
Objetivos
O objetivo geral dessa pesquisa foi
compreender o impacto das políticas públicas para a educação, tomando como
referência o ensino da música erudita a jovens e buscando interpretar a especificidade
da música como mediação entre o individuo e seu mundo social.
Entre os objetivos específicos estão:
A. Abordar, na perspectiva das ciências
sociais, a música como fenômeno social e seu potencial transformador da
realidade.
B. Inserir a pesquisadora na
metodologia antropológica de pesquisa, a etnografia, por meio do trabalho de
campo e da análise qualitativa dos dados.
C. Obter material e resultados que
sirvam de base para futuro Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).
Os objetivos que me propus pesquisar
visam esclarecer quais são os significados mobilizados pelos agentes em relação
a música e o fazer musical e, como os significados já postos influenciam essa
ação.
Metodologia
A metodologia utilizada é a etnografia,
que caracteriza a prática de pesquisa antropológica. O Projeto Guri está foi
analisado por meio de três caminhos principais:
1. Pesquisa bibliográfica quanto a
metodologia de pesquisa em campo e quanto ao campo teórico em que a pesquisa
está inserida, ou seja, educação, política pública, música e cultura.
É importante ressaltar que fui aluna do
Projeto Guri de 2004 a 2006 e por isso a pesquisa bibliográfica se mostrou tão
importante para evitar possíveis direcionamentos ideológicos. Ainda sobre o universo teórico no qual
se insere esta pesquisa assisti a duas palestras. A primeira palestra aconteceu
no dia 10. 11. 2010 e foi ministrada pelo professor José Miguel Wisnik, figura
central no meu projeto. A segunda palestra realizada no dia 17. 11. 2010 foi
ministrada por Roberto Kurz sob o tema da dialética do esclarecimento em Adorno
e Horkheimer. Essas palestras foram fundamentais para
compreender parte do debate da sociologia em torno da Indústria cultural.
2. Pesquisa de campo foi realizada
através da observação participante e pesquisa documental.
3. Também foram ministradas entrevistas
com participantes do projeto – alunos atuais, os pais desses alunos, ex-
alunos, professores e coordenadores que trabalham no Projeto.
Foram realizadas visitas a dois pólos
do Projeto Guri: Pólo Amácio Mazzaropi, no Brás e Júlio Prestes no bairro do
Bom Retiro. Foram três meses de visitas
intercalando dias e horários entre um pólo e outro. Durante as visitas observei
a interação dos atores - crianças de diversas idades - durante a aula, durante
o intervalo de aula e nas apresentações. As entrevistas foram realizadas durante
dois meses, posteriormente, aos três meses de visitas. Todas as entrevistas
foram realizadas dentro das dependências dos pólos e foram gravadas.
Em relação aos ex-alunos – colegas
conhecidos da minha época como estudante do Guri – as entrevistas não puderam
ser realizadas pessoalmente por divergência de horários ou distância física,
com isso, os questionários foram enviados e respondidos por correspondência
eletrônica.
Tive acesso ao plano político -
pedagógico, ao relatório de atividades de 2009 e também às publicações da
revista eletrônica Espaço Intermediário do próprio Projeto Guri, aonde os
próprios representantes do Projeto refletem sobre a particularidade da música
como meio educador e também aonde teóricos musicais como Keith Swanwick
concedem entrevistas e palestras sobre a especificidade da pedagogia musical e
suas implicações na vida daquele que a pratica.
Resultados
Inicialmente foi notado um embate entre
música erudita e música popular dado que o Guri é conhecido por suas
apresentações em orquestra, porém, observando o repertório escolhido e
analisando mais a fundo a questão a distância entre essas duas estéticas se
estreitou exatamente porque a música funciona como mediadora entre o indivíduo
e seu mundo social.
Há um cenário de indefinição da
fronteira entre o popular e o erudito. É essa indefinição que afasta, mas que
também aproxima, que possibilita a mistura musical. Essa porosidade musical
característica do Brasil é fundamental para compreender que para além da
oposição o que podemos ver aqui em certo limite é um cenário de
complementaridade. Isso é visível, e audível, no
repertório executado durantes as aulas e as apresentações. Enquanto a
orquestra, com seus instrumentos eruditos, toca músicas populares como “Eu sei
que vou te amar” de Tom Jobim e “A paz” de Gilberto Gil, o grupo de violões
toca parte da 9ª Sinfonia de Beethoven.
No caso do Projeto Guri a estética não
deixou de ser levada em conta. Por mais que música popular esteja em seu
repertório – e alguns alunos gostariam até que houvesse mais espaço para o
erudito – não é qualquer música popular que está presente.
É a música popular valorizada entre
técnicos, acadêmicos e estudiosos da música brasileira. Não que isso configure
um caráter definitivo de “qualidade”, mas delimita o público e a técnica
musical mais valorizada. A prática musical, o contato com
instrumentos e com esse tipo específico de conhecimento, é em si algo que possui
um status diferenciado independente da estética. O que vi entre os alunos foi a
satisfação de se dizer músico, de dominar, mesmo que pouco, aquela linguagem
específica.
Para alguns pais e alunos essa
“superioridade” se concretizaria materialmente caso o estudante consiga fazer
parte de uma orquestra reconhecida, aonde estaria implícito também o domínio de
uma técnica específica que possui legitimação dentro de toda a tradição musical
ocidental.
Dos ex-alunos com os quais troquei
informações, e experiências no Guri, a possibilidade de efetivação de uma
carreira musical com os instrumentos de orquestra foi frustrada por questões
financeiras referentes a compra dos instrumentos e continuidade das aulas de
música após a saída do Projeto. No entanto, a maioria desses alunos seguiu com
a prática musical mesmo que adotando outros instrumentos mais acessíveis como
guitarra, baixo elétrico e violão. Os alunos que não continuaram tocando
também não perderam seu interesse mais profundo por música quanto a forma de
produção e o meio no qual essa música circula ou pela possibilidade de tocar
novamente, mesmo que por lazer.
Conclusões
Mesmo possuindo regras e formas
específicas, possuindo jargão técnico assim como outras áreas do conhecimento,
há a possibilidade de um conhecimento musical que escapa às técnicas e
constitui o sujeito mesmo que este não esteja a par dessa linguagem formal,
sendo assim, a música se faz sentir sem necessariamente ser compreendida. A
música caminha entre o prazer e o saber, ou seja, a música pode ser a passagem
“de um mundo social ‘encantado’ para o mundo social ‘desencantado’” (WEBER,
1995, p. 12).
Sendo assim, chegamos a uma questão: Em
um quadro mais amplo dessas práticas pedagógicas, qual a especificidade da
fusão entre educação e uma política pública que está fora do currículo escolar
oficial?
Por fim, gostaria de citar um trecho do
livro de Rose Satiko, autora base para meus estudos: Ao que diria Claude
Lévi-Strauss: a música é “uma via intermediária entre o exercício do pensamento
lógico e a percepção estética” (HIKIJI, 2006, p. 56).Ou seja, é dessa dualidade entre
racional e, em certa medida, “mágico” que advém a dificuldade de se pesquisar
com música e com as artes em geral, não impedindo, porém que os efeitos e suas
transformações sejam analisadas.
Texto resumo para apresentação no
Congresso PIBIC de 14. 06. 2011.
Projeto: Políticas públicas e educação:
a experiência da música de concerto
Universidade Federal de São Paulo -
UNIFESP
Área: Ciências Sociais - Sociologia
Prof. Orientadora: Cynthia Andersen
Sarti